Elegia Na Morte De Clodoaldo Pereira Da Silva Moraes Poeta E Cidadao
Vinícius de Moraes Lyrics


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A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em los angeles procurei recompor tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância
Dizíamos: "e-vem meu pai!" quando a curva
Se acendia de luzes semoventes, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: Carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e freqüentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo-de-alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Jras penca de filho. jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.

Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. deixavas-te olhando o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... - as imaculadas, inacessíveis
Ilhas do tesouro. Querias. querias um dia aportar
E trazer - depositar aos pés da amada as jóias fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforescência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.

Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
A suprema pobreza: O dom da poesia, e a capacidade de amar
Em silêncio. Moste um pobre. mendigavas nosso amor
Em silêncio. Moste um no lado esquerdo. mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água. Poi reta para o fundo. partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro, sem medo e sem mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita - diz-se -
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas águas-marinhas.
Não eram, meu pai. A mim me deste
Águas-marinhas grandes, povoadas de estrelas, ouriços
E guaiamus gigantes. A mim me deste águas-marinhas
Onde cada concha carregava uma pérola. As águas-marinhas que me deste
Foram meu primeiro leito nupcial.

Eras, meu pai morto
Um grande clodoaldo
Capaz de sonhar
Melhor e mais alto
Precursor de binômio
Que reverteria
Ao nome original
Semente do sêmen
Revolucionário
Gentil-homem insigne
Poeta e funcionário
Sempre preterido
Nunca titular
Neto de alexandre
Filho de maria
Cônjuge de lydia
Pai da poesia.

Diante de ti homem não sou, não quero ser. És pai do menino que eu fui.
Entre minha barba viva e a tua morta, todavia crescendo
Há um toque irrealizado. No entanto, meu pai
Quantas vezes ao ver-te dormir na cadeira de balanço de muitas salas
De muitas casas de muitas ruas
Não te beijei em meu pensamento! Já então teu sono
Prenunciava o morto que és, e minha angústia
Buscava ressuscitar-te. Tessuscitavas. teu olhar
Vinha de longe, das cavernas imensas do teu amor, aflito
Como a querer defender. Vias-me e sossegavas.
Pouco nos dizíamos: "como vai?" como vais, meu pobre pai
No teu túmulo? Dormes, ou te deixas
A contemplar acima - eu bem me lembro! - perdido
Na decifração de como ser?
Ah, dor! Como quisera
Ser de novo criança em teus braços e ficar admirando tuas mãos!
Como quisera escutar-te de novo cantar criando em mim
A atonia do passado! Quantas baladas, meu pai
E que lindas! Quem te ensinou as doces cantigas
Com que embalavas meu dormir? Voga sempre o leve batel
A resvalar macio pelas correntezas do rio da paixão?
Prosseguem as donzelas em êxtase na noite à espera da barquinha
Que busca o seu adeus? E continua a rosa a dizer à brisa
Que já não mais precisa os beijos seus?
Calaste-te, meu pai. No teu ergástulo
A voz não é - a voz com que me apresentavas aos teus amigos:
"Esse é meu filho fulano de tal". E na maneira
De dizê-lo - o vôo, o beijo, a bênção, a barba
Dura rocejando a pele, ai!

Tua morte, como todas, foi simples.
É coisa simples a morte. QóI, depois sossega. quando sossegou -
Lembro-me que a manhã raiava em minha casa - já te havia eu
Recuperado totalmente: Tal como te encontras agora, vestido de mim.
Não és, como não serás nunca para mim
Um cadáver sob um lençol.
És para mim aquele de quem muitos diziam: "é um poeta…"
Poeta foste, e és, meu pai. A mim me deste
O primeiro verso à namorada. Furtei-o
De entre teus papéis: Quem sabe onde andará… fui também
Verso teu: Lembro ainda hoje o soneto que escreveste celebrando-me
No ventre materno. E depois, muitas vezes
Vi-te na rua, sem que me notasses, transeunte
Com um ar sempre mais ansioso do que a vida. Levava-te a ambição
De descobrir algo precioso que nos dar.
Por tudo o que não nos deste
Obrigado, meu pai.
Não te direi adeus, de vez que acordaste em mim
Com uma exatidão nunca sonhada. Em mim geraste
O tempo: Aí tens meu filho, e a certeza
De que, ainda obscura, a minha morte dá-lhe vida
Em prosseguimento à tua; aí tens meu filho
E a certeza de que lutarei por ele. Quando o viste a última vez
Era um menininho de três anos. Hoje cresceu
Em membros, palavras e dentes. Diz de ti, bilíngüe:
"Vovô was always teasing me…"
É meu filho, teu neto. Deste-lhe, em tua digna humildade
Um caminho. M meu caminho. marcha ela na vanguarda do futuro
Para um mundo em paz: O teu mundo - o único em que soubeste viver;
Aquele que, entre lágrimas, cantos e martírios, realizaste à tua volta.





Composição: Vinicius de Moraes

Overall Meaning

The lyrics of Vinicius de Moraes's song Elegia Na Morte De Clodoaldo Pereira Da Silva Moraes Poeta E Cidadao describe the death of the singer's father and the profound impact he had on the singer's life. The singer recalls the moments of their childhood they spent with their father, waiting for him to come home from work and the excitement they felt when they saw him walking towards them. The father is depicted as a hardworking man who cared deeply for his family and worked tirelessly to provide for them, despite their lack of material possessions. The singer also reflects on their father's dreams, his love for the sea, and his yearning to discover new islands and treasures. The father is portrayed as a complex and multifaceted character, whom the singer deeply loved and admired.


The lyrics of Elegia Na Morte De Clodoaldo Pereira Da Silva Moraes Poeta E Cidadao are a tribute to the singer's father, and they express the deep emotions that the singer feels towards his father. The lyrics speak of the father's accomplishments and his struggles, and it paints a picture of a man who lived his life with passion and conviction. The song is a celebration of the father's legacy and the profound impact he had on his family and his community.


Line by Line Meaning

A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Death arrived by intercity in long metallic spirals.


Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
It was dawn. I heard the voice of my widowed mother.


De repente não tinha pai.
Suddenly, I didn't have a father.


No escuro de minha casa em los angeles procurei recompor tua lembrança
In the darkness of my house in Los Angeles, I tried to recreate your memory.


Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
After so much absence. Fragments of childhood.


Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Floated from the sea of my tears. I saw myself as a boy.


Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Running to meet you. In the nocturnal island.


Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
Only the gas lamps had just been lit, and the clarinet.


De augusto geralmente procrastinava a tarde.
Of Augustus, it usually delayed the afternoon.


Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
It was beautiful to wait for you, citizen. The tram.


Rangia nos trilhos a muitas praias de distância
Creaked on the tracks many beaches away.


Dizíamos: "e-vem meu pai!" quando a curva
We said: "come, my father!" When the curve


Se acendia de luzes semoventes, ah, corríamos
Lit up with moving lights, ah, we ran


Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
We ran to meet you. The great thing was to arrive first


Mas ser marraio em teus braços, sentir por último
But to be embraced in your arms, to feel at last


Os doces espinhos da tua barba.
The sweet thorns of your beard.


Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
From then on, you had an indescribable expression of loyalty and patience.


Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
Your face had the fundamental furrows of sweetness.


De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Of someone who let themselves be. Your mighty shoulders


Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Bent under the weight of the immense poetry


Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
That you didn't accomplish. The string cut your fingers


Pesados de mil embrulhos: Carne, pão, utensílios
Heavy with a thousand packages: Meat, bread, utensils


Para o cotidiano (e freqüentemente o binóculo
For everyday life (and often the binoculars


Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
That you kept buying and with which you spent whole hours


Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Looking at the sea). Tell me, my father


Que viste tantos anos através do teu óculo-de-alcance
What did you see for so many years through your telescope


Que nunca revelaste a ninguém?
That you never revealed to anyone?


Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta exausto no último lance da maratona.
You conquered the path between the almond tree and the house like the exhausted athlete in the last stretch of the marathon.


Te grimpávamos. Jras penca de filho. jamais
We climbed on you. Like a bunch of children. Never


Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa humilde
A harsh word, a paternal growl. You entered the humble house


A um gesto do mar. A noite se fechava
With a gesture of the sea. The night closed in


Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.
Over the family group like a thick door.


Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. deixavas-te olhando o mar
I often saw you desire. You desired. You left yourself looking at the sea


Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
With the gaze of an Argonaut. Your small ugly eyes


Buscavam ilhas, outras ilhas... - as imaculadas, inacessíveis
Sought islands, other islands... - the immaculate, inaccessible ones


Ilhas do tesouro. Querias. querias um dia aportar
Treasure islands. You wanted. you wanted to one day land


E trazer - depositar aos pés da amada as jóias fulgurantes
And bring - to deposit at the feet of the beloved the shining jewels


Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Of your love. Yes, you were a discoverer, and among them


Dos mais provectos. Muitas vezes te vi, comandante
Among the most experienced. I often saw you, commander


Comandar, batido de ventos, perdido na fosforescência
Commanding, beaten by winds, lost in phosphorescence


De vastos e noturnos oceanos
Of vast and nocturnal oceans


Sem jamais.
Without ever.


Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
You gave us poverty and love. You gave me


A suprema pobreza: O dom da poesia, e a capacidade de amar
The supreme poverty: The gift of poetry, and the ability to love


Em silêncio. Moste um pobre. mendigavas nosso amor
In silence. You showed yourself poor. You begged for our love


Em silêncio. Moste um no lado esquerdo. mas
In silence. You showed it on your left side. But


Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Your love invented. You financed a boat


Movida a água. Poi reta para o fundo. partiste um dia
Powered by water. Set sail straight to the bottom. You left one day


Para um brasil além, garimpeiro, sem medo e sem mácula.
For a Brazil beyond, a fearless and immaculate gold miner.


Doze luas voltaste. Tua primogênita - diz-se -
You returned after twelve moons. Your firstborn - it is said -


Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas águas-marinhas.
Did not recognize you. You had big beards and small aquamarines.


Não eram, meu pai. A mim me deste
They were not, my father. You gave me


Águas-marinhas grandes, povoadas de estrelas, ouriços
Big aquamarines, populated with stars, sea urchins


E guaiamus gigantes. A mim me deste águas-marinhas
And giant land crabs. You gave me aquamarines


Onde cada concha carregava uma pérola. As águas-marinhas que me deste
Where each shell carried a pearl. The aquamarines that you gave me


Foram meu primeiro leito nupcial.
Were my first bridal bed.


Eras, meu pai morto
You were, my dead father


Um grande clodoaldo
A great Clodoaldo


Capaz de sonhar
Capable of dreaming


Melhor e mais alto
Better and higher


Precursor de binômio
Precursor of binomial


Que reverteria
That would reverse


Ao nome original
To the original name


Semente do sêmen
Seed of the seed


Revolucionário
Revolutionary


Gentil-homem insigne
Distinguished gentleman


Poeta e funcionário
Poet and civil servant


Sempre preterido
Always neglected


Nunca titular
Never a title holder


Neto de alexandre
Grandson of Alexandre


Filho de maria
Son of Maria


Cônjuge de lydia
Spouse of Lydia


Pai da poesia.
Father of poetry.


Diante de ti homem não sou, não quero ser. És pai do menino que eu fui.
In front of you, I am not a man, I don't want to be. You are the father of the boy I was.


Entre minha barba viva e a tua morta, todavia crescendo
Between my living beard and your dead one, still growing


Há um toque irrealizado. No entanto, meu pai
There is an unrealized touch. However, my father


Quantas vezes ao ver-te dormir na cadeira de balanço de muitas salas
How many times, seeing you sleep in the rocking chair of many rooms


De muitas casas de muitas ruas
Of many houses, of many streets


Não te beijei em meu pensamento! Já então teu sono
I didn't kiss you in my thoughts! Already then, your sleep


Prenunciava o morto que és, e minha angústia
Foreshadowed the dead that you are, and my anguish


Buscava ressuscitar-te. Tessuscitavas. teu olhar
Sought to resurrect you. You resurrected. Your gaze


Vinha de longe, das cavernas imensas do teu amor, aflito
Came from far away, from the immense caves of your love, anxious


Como a querer defender. Vias-me e sossegavas.
As if wanting to defend. You saw me and calmed down.


Pouco nos dizíamos: "como vai?" como vais, meu pobre pai
We didn't say much to each other: "how are you?" how are you, my poor father


No teu túmulo? Dormes, ou te deixas
In your grave? Do you sleep, or do you allow yourself


A contemplar acima - eu bem me lembro! - perdido
To contemplate above - I well remember! - lost


Na decifração de como ser?
In deciphering how to be?


Ah, dor! Como quisera
Ah, pain! How I wish


Ser de novo criança em teus braços e ficar admirando tuas mãos!
To be a child again in your arms and admire your hands!


Como quisera escutar-te de novo cantar criando em mim
How I wish to hear you sing again, creating in me


A atonia do passado! Quantas baladas, meu pai
The atony of the past! So many ballads, my father


E que lindas! Quem te ensinou as doces cantigas
And how beautiful! Who taught you the sweet songs


Com que embalavas meu dormir? Voga sempre o leve batel
With which you lulled me to sleep? May the light sail always glide


A resvalar macio pelas correntezas do rio da paixão?
Smoothly over the currents of the river of passion?


Prosseguem as donzelas em êxtase na noite à espera da barquinha
Do the maidens continue in ecstasy at night, waiting for the little boat


Que busca o seu adeus? E continua a rosa a dizer à brisa
That seeks their goodbye? And does the rose continue to tell the breeze


Que já não mais precisa os beijos seus?
That it no longer needs its kisses?


Calaste-te, meu pai. No teu ergástulo
You fell silent, my father. In your dungeon


A voz não é - a voz com que me apresentavas aos teus amigos:
The voice isn't - the voice with which you introduced me to your friends:


"Esse é meu filho fulano de tal". E na maneira
"This is my son so-and-so." And in the way


De dizê-lo - o vôo, o beijo, a bênção, a barba
Of saying it - the flight, the kiss, the blessing, the beard


Dura rocejando a pele, ai!
That roughened the skin, oh!


Tua morte, como todas, foi simples.
Your death, like all deaths, was simple.


É coisa simples a morte. QóI, depois sossega.
Death is a simple thing. Well, then it settles.


Quando sossegou - Lembro-me que a manhã raiava em minha casa - já te havia eu
When it settled - I remember that morning was breaking in my house - I had already


Recuperado totalmente: Tal como te encontras agora, vestido de mim.
Fully recovered: Just as you are now, dressed in me.


Não és, como não serás nunca para mim
You are not, as you will never be, for me


Um cadáver sob um lençol.
A corpse under a sheet.


És para mim aquele de quem muitos diziam: "é um poeta…"
You are for me the one of whom many said: "he is a poet..."


Poeta foste, e és, meu pai. A mim me deste
A poet you were, and are, my father. You gave me


O primeiro verso à namorada. Furtei-o
The first verse for my girlfriend. I stole it


De entre teus papéis: Quem sabe onde andará… fui também
From among your papers: Who knows where it is now... I also was


Verso teu: Lembro ainda hoje o soneto que escreveste celebrando-me
Your verse: I still remember today the sonnet you wrote celebrating me


No ventre materno. E depois, muitas vezes
In the maternal womb. And afterwards, many times


Vi-te na rua, sem que me notasses, transeunte
I saw you on the street, without you noticing me, passerby


Com um ar sempre mais ansioso do que a vida. Levava-te a ambição
With an air always more anxious than life. Your ambition carried you


De descobrir algo precioso que nos dar.
To discover something precious to give us.


Por tudo o que não nos deste
For everything you didn't give us


Obrigado, meu pai.
Thank you, my father.


Não te direi adeus, de vez que acordaste em mim
I won't say goodbye, now that you have awakened in me


Com uma exatidão nunca sonhada. Em mim geraste
with an accuracy I never dreamed of. You generated in me


O tempo: Aí tens meu filho, e a certeza
Time: There you have my son, and the certainty


De que, ainda obscura, a minha morte dá-lhe vida
That, still obscure, my death gives him life


Em prosseguimento à tua; aí tens meu filho
In continuation of yours; there you have my son


E a certeza de que lutarei por ele. Quando o viste a última vez
And the certainty that I will fight for him. When did you last see him?


Era um menininho de três anos. Hoje cresceu
He was a little boy of three. Today he has grown


Em membros, palavras e dentes. Diz de ti, bilíngüe:
In limbs, words, and teeth. Speak of yourself, bilingual:


"Vovô was always teasing me…"
"Grandpa was always teasing me..."


É meu filho, teu neto. Deste-lhe, em tua digna humildade
He is my son, your grandson. You gave him, in your worthy humility


Um caminho. M meu caminho. marcha ela na vanguarda do futuro
A path. My path. She marches at the forefront of the future


Para um mundo em paz: O teu mundo - o único em que soubeste viver;
Towards a world of peace: Your world - the only one in which you knew how to live;


Aquele que, entre lágrimas, cantos e martírios, realizaste à tua volta.
The one that, among tears, songs, and martyrs, you accomplished around you.




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Marcos Bueno

A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância
Dizíamos: "E-vem meu pai!" Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e freqüentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo-de-alcance
Que nunca revelaste a ninguém?
Vencias o percurso entre a amendoeira e a casa como o atleta exausto no último lance da maratona.
Te grimpávamos. Eras penca de filho. Jamais
Uma palavra dura, um rosnar paterno. Entravas a casa humilde
A um gesto do mar. A noite se fechava
Sobre o grupo familial como uma grande porta espessa.

*

Muitas vezes te vi desejar. Desejavas. Deixavas-te olhando o mar
Com mirada de argonauta. Teus pequenos olhos feios
Buscavam ilhas, outras ilhas... – as imaculadas, inacessíveis
Ilhas do Tesouro. Querias. Querias um dia aportar
E trazer – depositar aos pés da amada as jóias fulgurantes
Do teu amor. Sim, foste descobridor, e entre eles
Dos mais provectos. Muitas vezes te vi, comandante
Comandar, batido de ventos, perdido na fosforescência
De vastos e noturnos oceanos
Sem jamais.

Deste-nos pobreza e amor. A mim me deste
A suprema pobreza: o dom da poesia, e a capacidade de amar
Em silêncio. Foste um pobre. Mendigavas nosso amor
Em silêncio. Foste um no lado esquerdo. Mas
Teu amor inventou. Financiaste uma lancha
Movida a água: foi reta para o fundo. Partiste um dia
Para um brasil além, garimpeiro, sem medo e sem mácula.
Doze luas voltaste. Tua primogênita – diz-se –
Não te reconheceu. Trazias grandes barbas e pequenas águas-marinhas.
Não eram, meu pai. A mim me deste
Águas-marinhas grandes, povoadas de estrelas, ouriços
E guaiamus gigantes. A mim me deste águas-marinhas
Onde cada concha carregava uma pérola. As águas-marinhas que me deste
Foram meu primeiro leito nupcial.

*

Eras, meu pai morto
Um grande Clodoaldo
Capaz de sonhar
Melhor e mais alto
Precursor de binômio
Que reverteria
Ao nome original
Semente do sêmen
Revolucionário
Gentil-homem insigne
Poeta e funcionário
Sempre preterido
Nunca titular
Neto de Alexandre
Filho de Maria
Cônjuge de Lydia
Pai da Poesia.

*

Diante de ti homem não sou, não quero ser. És pai do menino que eu fui.
Entre minha barba viva e a tua morta, todavia crescendo
Há um toque irrealizado. No entanto, meu pai
Quantas vezes ao ver-te dormir na cadeira de balanço de muitas salas
De muitas casas de muitas ruas
Não te beijei em meu pensamento! Já então teu sono
Prenunciava o morto que és, e minha angústia
Buscava ressuscitar-te. Ressuscitavas. Teu olhar
Vinha de longe, das cavernas imensas do teu amor, aflito
Como a querer defender. Vias-me e sossegavas.
Pouco nos dizíamos: "Como vai?" Como vais, meu pobre pai
No teu túmulo? Dormes, ou te deixas
A contemplar acima – eu bem me lembro! – perdido
Na decifração de como ser?
Ah, dor! Como quisera
Ser de novo criança em teus braços e ficar admirando tuas mãos!
Como quisera escutar-te de novo cantar criando em mim
A atonia do passado! Quantas baladas, meu pai
E que lindas! Quem te ensinou as doces cantigas
Com que embalavas meu dormir? Voga sempre o leve batel
A resvalar macio pelas correntezas do rio da paixão?
Prosseguem as donzelas em êxtase na noite à espera da barquinha
Que busca o seu adeus? E continua a rosa a dizer à brisa
Que já não mais precisa os beijos seus?
Calaste-te, meu pai. No teu ergástulo
A voz não é – a voz com que me apresentavas aos teus amigos:
"Esse é meu filho FULANO DE TAL". E na maneira
De dizê-lo – o vôo, o beijo, a bênção, a barba
Dura rocejando a pele, ai!

*

Tua morte, como todas, foi simples.
É coisa simples a morte. Dói, depois sossega. Quando sossegou –
Lembro-me que a manhã raiava em minha casa – já te havia eu
Recuperado totalmente: tal como te encontras agora, vestido de mim.
Não és, como não serás nunca para mim
Um cadáver sob um lençol.
És para mim aquele de quem muitos diziam: "É um poeta…"
Poeta foste, e és, meu pai. A mim me deste
O primeiro verso à namorada. Furtei-o
De entre teus papéis: quem sabe onde andará… Fui também
Verso teu: lembro ainda hoje o soneto que escreveste celebrando-me
No ventre materno. E depois, muitas vezes
Vi-te na rua, sem que me notasses, transeunte
Com um ar sempre mais ansioso do que a vida. Levava-te a ambição
De descobrir algo precioso que nos dar.
Por tudo o que não nos deste
Obrigado, meu pai.
Não te direi adeus, de vez que acordaste em mim
Com uma exatidão nunca sonhada. Em mim geraste
O Tempo: aí tens meu filho, e a certeza
De que, ainda obscura, a minha morte dá-lhe vida
Em prosseguimento à tua; aí tens meu filho
E a certeza de que lutarei por ele. Quando o viste a última vez
Era um menininho de três anos. Hoje cresceu
Em membros, palavras e dentes. Diz de ti, bilíngüe:
"Vovô was always teasing me…"
É meu filho, teu neto. Deste-lhe, em tua digna humildade
Um caminho: o meu caminho. Marcha ela na vanguarda do futuro
Para um mundo em paz: o teu mundo – o único em que soubeste viver;
aquele que, entre lágrimas, cantos e martírios, realizaste à tua volta.

ROBERTO DE LACERDA

Querido pai: Nem uma foto sua tenho aqui para postar. Mas desfruto de duas
heranças que o senhor me legou (legados de verdade): A primeira foi
quando o senhor me disse que eu me tornaria poeta apenas no dia em que
encontrasse uma palavra em Português que
rimasse com MÃE. A segunda, foi eu mesmo me tornando um bom pai, pelo
oposto exemplo que o senhor deixou para mim! Em ambos os casos me
esforcei, tenho vivido e morrerei tentando! Até breve meu querido,
quando assim meu pequeno monólogo se tornará talvez o primeiro grande
diálogo entre nós! Abraços do peito ao ombro amigo... - ROBERTO DE LACERDA/Cronista